hálito de ruína
no perfil da paisagem dividida
assim se impõe o tempo
lento
sem voz
abrindo-se à terra
Maria Costa
hálito de ruína
no perfil da paisagem dividida
assim se impõe o tempo
lento
sem voz
abrindo-se à terra
Maria Costa
espessa neblina de sangue
onde roda a intempérie do vento
bosque azul na vereda mais estreita
furor do pó
Maria Costa
há um voo que abre o azul no interior
uma cidade que é sempre nova
Maria Costa
antes do tempo da pergunta voltada para trás
antes das estrelas iminentes
antes das vozes caladas na chuva
antes da rosa
dias há para perceber as alturas antiquíssimas
que viajam em vertigem
Maria Costa
caminho para todos os lugares
lágrima para todas as saudades
lâmpada para toda a claridade
e a isto eu chamo 'coração sem muros'
Maria Costa
abeiro-me agora dos rios ocultos
vestida de solidão para reconhecer a terra
busco no brilho das águas minha sede
pertenço a esse silêncio
onde a chuva deixou assomar flores,
neste território em que a solidão habita deuses
cresço luz de um sonho antepassado
alimentado na paz dos pássaros
queda de folhas lúcidas
essência das palavras
entre os dedos do fogo
Maria Costa
vi-me nascer, crescer, sem ruído
sem galhos que doam como braços
calada
sem palavra para ferir no ventre
Maria Costa
não pertencer a ninguém
ser água na água
retornar com os círculos da pedra
que desce à íntima escuridão
sem voz, tornar-se círculo
amar
como devem amar os gerânios
as crianças e os cegos
Maria Costa
existe uma solidão no espaço interior do inconsciente.
talvez tenha vindo nesta viagem para te respirar no vazio das árvores. depois do temporal. foi na tempestade que cresci.
habituei os ouvidos à voz quando descia pelas escadas da noite.
há uma linha de névoa longínqua que parece recolher todas as linhas que existem à tua frente…
canta na catedral.
Maria Costa
partilhamos a dureza da Luz sobre os dias
descendo o poço que há em nós
saudei-te naquele que passava
em grandes estátuas de silêncio
“Era ainda pequena, regressava do mar, e tudo estava à mesma distância dos nomes”
o marulhar do oceano soltou o peso da respiração
e encontrou uma margem para descansar
como náufrago que deixa de acreditar
desliza na multidão de olhos fechados
“Antes, estava só.Hoje, ainda mais só, por imaginar Tudo.”
afasta as ramagens,
empresta-lhes todas as vidas que tiveres.
possam resgatar os regatos da Luz
Maria Costa
névoa de águas anteriores
lembrança de um mar
que não cabe na pupila de deus
Maria Costa
do teu amanhecer ao meu
há um silêncio de neve
Maria Costa
Maria Costa
vou deixando mundos para trás,
sílabas de mim.
como se o corpo fosse:
metade de morte em mim
e a outra metade morte de mim
no ar onde pertencem meus passos
sigo sendo menina
estirada de fadiga
jamais abandono o livro sagrado
em teus versos
quero morrer neste sono
no íntimo abrigo
de ser um lugar sempre alheio
como o amor
Maria Costa
sonhei palavras
que abriam portas
ninguém conhecia
o jardim interior da cidade
a entrada secreta
para aqueles
que se perdiam nas ruas
buscando a si mesmos
em verdade falamos tantas línguas confusas
e junto de nós acontece algo
Maria Costa
o silêncio que agora se mira
no espelho dos teus lábios
trouxe-me ao mundo
porta para outra vereda
que me recolherá na morte
- minha mãe -
devo ser a luz de um sonho antepassado
os dias que viajam em vertigem
Maria Costa
a árvore amanhece todos os dias
existe rasgando o horizonte com passáros-de-papel
como se tivesse um coração que enche a consciência sombria dos homens
que a circundam em profundo quietismo
capaz de derramar o ar com um gesto
Maria Costa
desde as distâncias uma voz
abrindo-se em caminho
de sede e infância
bailado dos dias caídos
que se afundam sobre a terra
igual ao tempo indelével
da mão sobre os ombros exaltados
da memória
Maria Costa
quando não existe o mundo
semeio jardins no meu quarto
em opostas águas
desconhecidas palavras
florescem no coração de ninguém
Maria Costa
caminho com a esperança
de não ser a voz de ninguém
algo menos que fogo
tem que haver
para dizer esta ardência
a palavra não pode ser algo
tão fácil
traçando lentamente espirais
sobre a água calma
ou
como um sol
cego por si mesmo
Maria Costa
não sinto outro descanso
nem procura
chove sobre meus olhos
da tua boca amanhecida
muda como ferida
dir-se-ia que há dias em que tanto mel
me embriaga
outro perfume nasce em mim
( por contágio do poema de Maat - "de regresso a casa" )
Maria Costa
tudo é familiar
neste habitado de ruas arruinadas
e lâmpadas ociosas
onde já os pássaros não fazem ninho
nem os rios se encontram
caminhos onde pousa devagar a respiração
e a solidão grita debruçada
todas as tardes
do outro lado
o amor acolhe-se em palpitação
dentro do sangue puro dos olhos
que derruba os porquês
Maria Costa
onde os ventos convergem vozes
as crianças correm para o mar
arrastando o corpo perturbado
no umbral do tempo
o que sobrou fecundo no ar
as dores da terra
Maria Costa
as casas interrogam o silêncio
por dentro
a morada mais antiga
Maria Costa
e vamos entoando
o espaço das sílabas semeadas de lírios
em melodias suaves que se movem
intensas
soltas
no lugar onde os ulmos
fazem frondoso o vento
ao despontar do dia
Maria Costa
éramos da mesma idade
desci laçando-te o braço
era silêncio e espaço
uma escada de céu e pássaros
uma escala que cantava
em cada oitava
agora o vazio por degraus
foi breve a nossa longa viagem
eterna
regresso durando humana
Maria Costa
na frescura da manhã
acontece
a palavra renovada
Maria Costa
mais interior que um coração
rostos apagados das casas
que hão-de espalhar pétalas de rosas
no fim do mundo
as estrelas alumbram
o chão dos teus ombros
o silêncio desce
des
ce
penumbra de um tempo
sem espaço – leve
muito leve
Maria Costa