31/12/08

XXXII


hálito de ruína
no perfil da paisagem dividida

assim se impõe o tempo
lento
sem voz
abrindo-se à terra

Maria Costa

13/12/08

XXXI


espessa neblina de sangue
onde roda a intempérie do vento
bosque azul na vereda mais estreita

furor do pó


Maria Costa

20/11/08

XXX


há um voo que abre o azul no interior
uma cidade que é sempre nova





Maria Costa

24/10/08

XXIX


antes do tempo da pergunta voltada para trás
antes das estrelas iminentes
antes das vozes caladas na chuva
antes da rosa

dias há para perceber as alturas antiquíssimas
que viajam em vertigem



Maria Costa

06/10/08

XXVIII




caminho para todos os lugares
lágrima para todas as saudades
lâmpada para toda a claridade
e a isto eu chamo 'coração sem muros'



Maria Costa

29/09/08

XXVI


abeiro-me agora dos rios ocultos
vestida de solidão para reconhecer a terra

busco no brilho das águas minha sede
pertenço a esse silêncio
onde a chuva deixou assomar flores,
neste território em que a solidão habita deuses

cresço luz de um sonho antepassado
alimentado na paz dos pássaros

queda de folhas lúcidas

essência das palavras
entre os dedos do fogo





Maria Costa

16/09/08

XXV


vi-me nascer, crescer, sem ruído
sem galhos que doam como braços
calada

sem palavra para ferir no ventre




Maria Costa

XXIV


não pertencer a ninguém
ser água na água
retornar com os círculos da pedra
que desce à íntima escuridão

sem voz, tornar-se círculo

amar
como devem amar os gerânios
as crianças e os cegos



Maria Costa

XXIII


existe uma solidão no espaço interior do inconsciente.


Maria Costa

03/09/08

o mundo parece irreconhecível...



talvez tenha vindo nesta viagem para te respirar no vazio das árvores. depois do temporal. foi na tempestade que cresci.
habituei os ouvidos à voz quando descia pelas escadas da noite.
há uma linha de névoa longínqua que parece recolher todas as linhas que existem à tua frente…
canta na catedral.






Maria Costa

02/09/08

tapeçaria de luz



“Tudo me impele para a Luz. Vivo esta inquietação terrível de não conseguir responder a ninguém, a nenhuma carta, a nenhuma coisa, dentro do tempo... tantos os sinais que me chegam durante a noite... “



partilhamos a dureza da Luz sobre os dias
descendo o poço que há em nós
saudei-te naquele que passava
em grandes estátuas de silêncio




“Era ainda pequena, regressava do mar, e tudo estava à mesma distância dos nomes”



o marulhar do oceano soltou o peso da respiração
e encontrou uma margem para descansar
como náufrago que deixa de acreditar
desliza na multidão de olhos fechados


“Antes, estava só.Hoje, ainda mais só, por imaginar Tudo.”



afasta as ramagens,
empresta-lhes todas as vidas que tiveres.
possam resgatar os regatos da Luz






Maria Costa


01/09/08

XXI


névoa de águas anteriores

lembrança de um mar
que não cabe na pupila de deus




Maria Costa

28/08/08

XX


do teu amanhecer ao meu
há um silêncio de neve



Maria Costa

07/08/08

XVIII


"cercou-se de luz e cântaros
com a foice que trazia cortou os ramos
mais tenros do dia"

mariah





amo o que há de ambíguo no olhar
as horas como pedra sobre pedra
a desmontar os muros

não sei como explicar
o fundo enevoado do tempo
o clamor da nossa nudez
a reinventar o vazio

há um barco que chega onde flutua o teu peito
um fuzil de fogo que diz vibrando
as mãos frágeis como ramos




Maria Costa

17/07/08

XVII


vou deixando mundos para trás,
sílabas de mim.
como se o corpo fosse:
metade de morte em mim
e a outra metade morte de mim

no ar onde pertencem meus passos
sigo sendo menina

estirada de fadiga
jamais abandono o livro sagrado
em teus versos

quero morrer neste sono
no íntimo abrigo
de ser um lugar sempre alheio
como o amor




Maria Costa

07/07/08

XVI

sonhei palavras
que abriam portas

ninguém conhecia
o jardim interior da cidade
a entrada secreta
para aqueles
que se perdiam nas ruas
buscando a si mesmos

em verdade falamos tantas línguas confusas
e junto de nós acontece algo



Maria Costa

02/07/08

XV


o silêncio que agora se mira
no espelho dos teus lábios
trouxe-me ao mundo

porta para outra vereda
que me recolherá na morte
- minha mãe -

devo ser a luz de um sonho antepassado
os dias que viajam em vertigem




Maria Costa

29/06/08

XIV


a árvore amanhece todos os dias
existe rasgando o horizonte com passáros-de-papel
como se tivesse um coração que enche a consciência sombria dos homens
que a circundam em profundo quietismo

capaz de derramar o ar com um gesto




Maria Costa

25/06/08

XIII


desde as distâncias uma voz
abrindo-se em caminho
de sede e infância

bailado dos dias caídos
que se afundam sobre a terra

igual ao tempo indelével
da mão sobre os ombros exaltados
da memória



Maria Costa

18/06/08

XII




quando não existe o mundo
semeio jardins no meu quarto

em opostas águas
desconhecidas palavras
florescem no coração de ninguém



Maria Costa

13/06/08

XI



caminho com a esperança
de não ser a voz de ninguém




algo menos que fogo
tem que haver
para dizer esta ardência

a palavra não pode ser algo
tão fácil
traçando lentamente espirais
sobre a água calma
ou
como um sol
cego por si mesmo


Maria Costa



06/06/08

X





não sinto outro descanso
nem procura
chove sobre meus olhos
da tua boca amanhecida
muda como ferida

dir-se-ia que há dias em que tanto mel
me embriaga

outro perfume nasce em mim




( por contágio do poema de Maat - "de regresso a casa" )

Maria Costa


30/05/08

VIII



tudo é familiar
neste habitado de ruas arruinadas
e lâmpadas ociosas
onde já os pássaros não fazem ninho
nem os rios se encontram

caminhos onde pousa devagar a respiração
e a solidão grita debruçada
todas as tardes

do outro lado
o amor acolhe-se em palpitação
dentro do sangue puro dos olhos
que derruba os porquês




Maria Costa

27/05/08

VII





onde os ventos convergem vozes
as crianças correm para o mar
arrastando o corpo perturbado
no umbral do tempo

o que sobrou fecundo no ar
as dores da terra






Maria Costa

24/05/08

VI





as casas interrogam o silêncio
por dentro
a morada mais antiga



Maria Costa

22/05/08

V




e vamos entoando
o espaço das sílabas semeadas de lírios
em melodias suaves que se movem
intensas
soltas
no lugar onde os ulmos
fazem frondoso o vento
ao despontar do dia



Maria Costa

18/05/08

nesse lugar



éramos da mesma idade
desci laçando-te o braço
era silêncio e espaço
uma escada de céu e pássaros
uma escala que cantava
em cada oitava

agora o vazio por degraus

foi breve a nossa longa viagem
eterna

regresso durando humana




Maria Costa

16/05/08

IV




na frescura da manhã
acontece

a palavra renovada





Maria Costa


12/05/08

III




mais interior que um coração




rostos apagados das casas
que hão-de espalhar pétalas de rosas

no fim do mundo





Maria Costa

08/05/08

II




as estrelas alumbram
o chão dos teus ombros

o silêncio desce
des
ce

penumbra de um tempo
sem espaço – leve
muito leve



Maria Costa